George Tully não gostava do aspeto de um pedaço de terreno na estrada. Não sabia exatamente porquê.
Não tens que te preocupar, Disse a si próprio. A luz da manhã estaria apenas a pregar-lhe partidas.
Inspirou o ar fresco. Depois inclinou-se e apanhou uma mão cheia de terra solta. Como sempre, era macia e rica. Também cheirava bem, rica com nutrientes de antigas colheitas de milho.
A boa terra do Iowa, Pensou enquanto pedaços dela lhe escapavam pelos dedos.
A terra estava na família de George há muitos anos, por isso conhecera aquele magnífico solo toda a vida. Mas nunca se canasava dele e o seu orgulho em lavrar a terra mais rica do mundo nunca se esgotava.
Olhou para os campos que se estendiam ao longo de uma imensa extensão. A terra fora lavrada há alguns dias. Estava pronta para receber os grãos de milho já pulverizados com insecticída.
Adiara a plantação até àquele dia devido às condições meteorológicas. É claro que não havia forma de saber se uma geada surgiria mesmo naquela altura do ano, arruinado assim a colheita. Lembrava-se de uma nevasca em abril nos anos 70 que apanhara o pai de surpresa. Mas quando George sentiu uma brisa de ar quente e olhou para as nuvens altas que atravessavam o céu, sentiu confiança para avançar.
Hoje é o dia, Pensou.
Enquanto George ali permaneceu, o seu ajudante Duke Russo chegou a conduzir um trator que transportava um plantador de doze metros. O plantador plantaria dezasseis filas de seguida, com uma distância de trinta polegadas, um grão de cada vez, depositando o fertilizante em cima de cada um, cobriria a semente e prosseguiria.
Os filhos de George, Roland e Jasper, estavam no campo à espera da chegada do trator e caminharam na sua direção. George sorriu para si próprio. Duke e os rapazes eram uma boa equipa. Não havia necessidade de George ficar para a sementeira. Acenou aos três homens, depois virou-se para regressar ao seu camião.
Mas aquele pedaço estranho de terra junto à estrada chamou a sua atenção mais uma vez. O que estava errado ali? A semeadora tinha falhado aquele pedaço? Não compreendia como é que aquilo podia ter acontecido.
Talvez uma marmota andasse por ali a escavar.
Mas ao aproximar-se do local, pode ver que não fora uma marmota a fazer aquilo. Não havia abertura e a terra estava achatada.
Parecia que algo tinha sido ali enterrado.
George rabujou. Os vândalos e os brincalhões às vezes davam-lhe trabalho. Hà alguns anos atrás, alguns rapazes de Angier roubaram um trator e usaram-no para demolir um barracão de armazenamento. Mais recentemente, outros tinham pontado obscenidades em vedaçoes e paredes e até em gado.
Era enfurecedor – e doloroso.
George não fazia ideia porque é que os miúdos lhe arranjavam problemas. Nunca lhes fizera mal que soubesse. Dera conhecimento dos incidentes a Joe Sinard, o chefe da policia de Angier, mas nunca nada fora feito.
“O que é que aqueles sacanas fizeram desta vez?” Disse em voz alta, calcando a terra com o pé.
Achou que o melhor era descobrir. O que quer que estivesse enterrado ali, poderia estragar o equipamento.
Virou-se para a sua equipa e acenou a Duke para parar o trator. Quando motor foi desligado, George gritou aos filhos.
“Jasper, Roland – tragam-me essa pá que está na cabina do trator.”
“O que é que se passa pai?” Indagou Jasper.
“Não sei. Traz-me a pá.”
Um momento mais tarde, Duke e os rapazes já caminhavam na sua direção. Jasper entregou a pá ao pai.
George manejou a pá contra a terra enquanto o grupo observava a operação com curiosidade. Ao enterrar a pá na terra, um cheiro estranho, azedo, inundou-lhe as narinas.
Sentiu uma onda de pavor instintivo.
Que raio está aqui em baixo?
Continuou a escavar até atingir algo sólido mas mole.
Escavou com mais cuidado, tentando desenterrar o que quer que fosse. De repente, avistaram algo pálido.
Demorou alguns segundos até George conseguir perceber de que se tratava.
“Oh, meu Deus!” Exclamou com horror.
Era uma mão – a mão de uma mulher jovem.
Na manhã seguinte, Riley deparou-se com Blaine a preparar um pequeno-almoço de ovos Benedict com sumo de laranja fresco e café escuro. Chegou à conclusão que fazer amor com paixão não se resumira aos ex-maridos. E percebeu que acordar confortavelmente ao lado de um homem era algo novo.
Sentiu-se grata por aquela manhã e gratidão para com Gabriela que se assegurou de tratar de tudo quando Riley lhe ligara na noite anterior. Mas não conseguia evitar pensar se uma relação daquele tipo sobreviveria devido às muitas outras complicações da sua vida.
Riley decidiu ignorar essa questão e concentrar-se na deliciosa refeição. Mas ao comerem, notou de imediato que a mente de Blaine parecia estar noutro lugar.
“O que é que se passa?” Perguntou-lhe.
Blaine não respondeu. Os seus olhos denotavam incómodo.
Riley ficou preocupada. O que é que se passava?
Estaria com dúvidas em relação à noite passada? Estaria menos satisfeito com a situação do que ela?
“Blaine, o que é que se passa?” Perguntou Riley com a voz a tremer ligeiramente.
Passados alguns instantes, Blaine disse, “Riley, eu não me sinto… seguro.”
Riley tentou compreender o que Blaine acabara de dizer. Teria todo o afeto partilhado na noite anterior subitamente desaparecido? O que se passara que alterara tudo?
“Eu… eu não compreendo,” Gaguejou Riley. “O que é que queres dizer quando dizes que não te sentes seguro?”
Blaine hesitou, depois disse, “Penso que tenho que comprar uma arma. Para proteção em casa.”
As suas palavras sacudiram Riley. Não estava à espera daquilo.
Mas talvez devesse, Pensou.
Sentada na mesa à frente de Blaine, viu a cicatriz na sua bochecha direita. A cicatriz que obtivera em novembro último em casa de Riley quando tentava proteger April e Gabriela de um atacante que se queria vingar de Riley.
Riley lembrava-se da terrível culpa que sentira ao ver Blaine inconsciente numa cama de hospital.
E agora voltava a sentir essa culpa.
Será que Blaine alguma vez se ia sentir seguro com Riley na sua vida? Alguma vez sentiria que a sua filha estava segura?
E seria uma arma aquilo de que precisava para o fazer sentir-se mais seguro?
Riley abanou a cabeça.
“Não sei Blaine,” Disse ela. “Não sou muito favorável a civis terem armas em casa.”
Mal proferiu as palavras, Riley percebeu como soara tão paternalista.
Não conseguia perceber pela expressão de Blaine se ficara ou não ofendido. Parecia estar à espera que ela dissesse algo mais.
Riley bebericou o café, organizando os pensamentos.
Ela disse, “Sabes que estatisticamente, ter armas em casa pode mais rapidamente levar a homicídios, suicídios e mortes acidentais do que a uma defesa caseira bem-sucedida? Na verdade, os donos de armas têm um maior risco de se tornarem vítimas de homicídio do que as pessoas que não possuem armas.”
Blaine assentiu.
“Sim, sei tudo isso,” Disse ela. “Fiz alguma pesquisa. Também conheço as leis de auto-defesa da Virginia. E que este é um estado em que há liberdade para possuir armas.”
Riley anuiu aprovadoramente.
“Bem, já estás mais preparado do que a maior parte das pessoas que decide comprar uma arma. Ainda assim…”
Não completou o raciocínio. Estava relutante em dizer o que lhe ia na cabeça.
“O que é?” Perguntou Blaine.
Riley respirou fundo.
“Blaine, ias querer comprar uma arma se eu não fizesse parte da tua vida?”
“Oh, Riley…”
“Diz-me a verdade. Por favor.”
Blaine ficou a olhar para o café durante alguns segundos.
“Não, não ia,” Disse finalmente.
Riley estendeu os braços na mesa e pegou na mão de Blaine.
“Era o que pensava. E deves imaginar como me sinto. Gosto muito de ti Blaine. É terrível saber que a tua vida é mais perigosa por minha causa.”
“Eu sei,” Disse Blaine. “Mas quero que me digas a verdade sobre uma coisa. E por favor não leves isto a mal.”
Riley preparou-se silenciosamente para o que Blaine lhe ia perguntar.
“Os teus sentimentos não são um bom motivo para eu comprar uma arma? Quero dizer, não é verdade que estou mais exposto que o cidadão comum e que me devo poder defender a mim e à Crystal – e talvez mesmo a ti?”
Riley encolheu os ombros. Sentiu-se triste por admiti-lo, mas Blaine tinha razão.
Se uma arma o fizesse sentir-se mais seguro, devia arranjar uma.
Ela também tinha a certeza que ele seria muito responsável enquanto dono de uma arma.
“OK,” Disse ela. “Vamos terminar o pequeno-almoço e vamos às compras.”
*
Mais tarde nessa manhã, Blaine entrou numa loja de armas com Riley. Blaine pensou de imediato se estaria a cometer um erro. Via armas nas paredes e em montras de vidro. Nunca dispara uma arma – a não ser que se pudesse contar com a arma de pressão que usara quando era miúdo.
No que é que me estou a meter? Pensou.
Um homem grande de barba com uma camisa xadrez movimentava-se entre a mercadoria.
“Em que vos posso ajudar?” Perguntou.
Riley disse, “Estamos à procura de uma arma de proteção pessoal para o meu amigo.”
“Bem, tenho a certeza que temos por aqui alguma coisa que lhe convenha,” Disse o homem.
Blaine sentiu-se constrangido sob o olhar do homem. Não devia ser todos os dias que uma mulher atraente ali entrava para o namorado escolher uma arma.
Blaine sentiu-se envergonhado. Até se sentiu envergonhado por se sentir envergonhado. Nunca se vira a si próprio como o tipo de homem que se sentisse inseguro em relação à sua masculinidade.
Enquanto Blaine saía da sua estranheza, o vendedor olhou para a arma de Riley aprovadoramente.
“Essa Glock Modelo 22 que aí tem é uma bela arma, minha senhora,” Disse ele. “Pertence às forças de segurança, não é?”
Riley sorriu e mostrou-lhe o distintivo.
O homem apontou para uma fila de armas semelhantes numa montra de vidro.
“Bem, tenho das vossas Glocks aqui. Uma excelente escolha, na minha opinião.”
Riley olhou para as armas, depois olhou para Blaine como que perguntando a sua opinião.
Blaine limitou-se a encolher os ombros e a corar.
Riley abanou a cabeça.
“Não me parece que uma semiautomática seja o tipo de arma que mais nos interessa,” Disse ela.
O homem assentiu.
“Sim, são complicadas, sobretudo para alguém sem grande experiência no manejo de armas. As coisas podem correr mal.”
Riley concordou, acrescentando, “Sim, podem acontecer falhas de ignição, obstrução, palheta dupla, falha na ejeção.”
O homem disse,”É claro que esses problemas não se colocam a uma experiente agente do FBI. Mas para este senhor, talvez um revólver seja a melhor escolha,”
O homem conduziu-os a uma montra de vidro repleta de revólveres.
Os olhos de Blaine repousavam nas armas com canos mais curtos.
Pelo menos pareciam menos intimidantes.
“E que tal este?” Disse ele, apontando para um em particular.
O homem abriu a montra, tirou a arma e entregou-a a Blaine. Era estranho ter a arma na mão. Não sabia se era mais leve ou mais pesada do que estava à espera.
“Uma Ruger SP101,” Disse o homem. “Nada má escolha.”
Riley olhou para a arma de forma incerta.
“Penso que estamos à procura de algo com um cano de quatro polegadas,” Disse ela. “Algo que absorva melhor o recuo.”
O homem voltou a assentir.
“Certo. Bem, penso que tenho aquilo que procuram.”
Tirou uma pistola maior da montra. Entregou-a a Riley que a examinou de forma aprovadora.
“Oh, sim,” Disse ela. “Uma Smith e Wesson 686.”
Depois sorriu a Blaine e entregou-lhe a arma.
“O que é que te parece?” Perguntou Riley.
Esta arma mais longa parecia-lhe ainda mais estranha na mão. Só lhe restava sorrir envergonhadamente para Riley. Ela retribuiu o sorriso. Ele percebeu pela sua expressão que ela finalmente se apercebera do seu sentimento de estranheza.
Riley virou-se para o dono e disse, “Penso que a levamos. Quanto custa?”
Blaine ficou espantado com o preço da arma, mas partiu do princípio que Riley sabia se o negócio era ou não justo.
Também ficou surpreendido com a facilidade em comprar a arma. O homem pediu-lhe dois comprovativos de identidade e Blaine deu-lhe a carta de condução e o cartão de eleitor. Depois Blaine preencheu um pequeno formulário consentindo uma verificação de passado. A verificação computorizada demorou apenas alguns minutos e Blaine estava apto a comprar a arma.
“Que tipo de munição querem?” Perguntou o homem.
Eiley disse, “Dê-nos uma caixa de Federal Premium Low Recoil.”
Alguns momentos mais tarde, Blaine era o perplexo proprietário de uma arma.
Ficou a olhar para a arma assustadora que se encontrava non balcão numa caixa de plástico aberta, envolta num material protetor. Blaine agradeceu ao homem, fechou a caixa e virou-se para se ir embora.
“Espere um minuto,” Disse o homem alegremente. “Não a quer experimentar?”
O homem conduziu Riley e Blaine até uma porta nas traseiras da loja que dava para um campo de tiro interior. Depois deixou Riley e Blaine sozinhos. Blaine estava contente por não estar lá mais ninguém naquele momento.
Riley apontou para a lista de regras que se encontrava na parede e Blaine Leu-as com atenção. Depois abanou a cabeça apreensivo.
“Riley, deixa-me dizer-te…”
Riley riu-se.
“Eu sei. Eu ajudo-te.”
Riley levou-o até uma das cabinas vazias onde ele colocou o equipamento de proteção para os ouvidos e olhos. Ele abriu a caixa com cuidado.
“Carrego-a?” Perguntou a Riley.
“Ainda não. Primeiro praticamos sem munições.”
Ele segurou a pistola nas mãos e Riley ajudou-o a encontrar a posição mais adequada – ambas as mãos na coronha da pistola mas com os dedos afastados do cilindro, cotovelos e joelhos ligeiramente curvados, ligieramente inclinados para a frente. Dali a momentos, Blaine estava a apontar a pistola para uma forma vagamente humana num alvo de papel a cerca de vinte e três metros de distância.
“Primeiro vamos praticar a ação dupla,” Disse Riley. “É quando não puxas o gatilho para trás a cada disparo, fazes tudo com o gatilho. Isso vai-te permitir sentir o gatilho. Puxa o gatilho para trás suavemente, depois liberta-o também suavemente.”
Blaine praticou com a arma descarregada algumas vezes. Depois Riley mostrou-lhe como abrir o cilindro e preenchê-lo com munição.
Blaine assumiu a mesma postura de há pouco. Preparou-se, sabendo que a arma daria um bom coice e apontou cuidadosamente ao alvo.
Premiu o gatilho e disparou.
A subita força para trás assustou-o e a arma saltou das suas mãos. Baixou a arma e olhou na direção do alvo. Não via buracos. Subitamente interrogou-se como é que alguém quereria utilizar uma arma com um coice tão intenso.
“Vamos trabalhar a tua respiração,” Disse Riley. “Inspira devagar enquanto apontas, depois expira suavemente para que exales no momento em que disparas. É quando o teu corpo está mais quieto.”
Blaine disparou outra vez. Ficou surpreendido por ter sentido mais controlo.
Olhou para o fundo da carreira e viu que pelo menos desta feita tinha acertado no alvo de papel.
Mas ao preparar-se para disparar outro tiro, foi assaltado por uma memória – a memória do dia mais assustador da sua vida. Um dia em que ainda vivia na casa ao lado da de Riley e ouvira um barulho infernal vindo da casa ao lado. Correra para a casa de Riley e deparou-se com a porta da frente parcialmente aberta.
Um homem estava a atacar a filha de Riley no chão.
Blaine correra na sua direção e tirara o homem de cima de April. Mas o home m era demasiado forte para Blaine o controlar e Blaine foi selvaticamente atacado até perder a consciência.
Era uma memoria amarga e por um momento trouxe-lhe de volta um sentimento de triste impotência.
Mas de repente, esse sentimento evaporou-se ao sentir o peso da arma nas suas mãos.
Respirou e disparou, respirou e disparou, mais quatro vezes até não haver mais munições.
Riley carregou num botão que trouxe o alvo de papel até junto deles.
“Nada mal para uma primeira vez,” Disse Riley.
De facto, Blaine pôde ver que aquelas últimos quatro tiros tinham atingido a forma humana.
Mas percebeu que o seu coração batia com força e que estava avassalado por uma estranha mistura de sentimentos.
Um desses sentimentos era o medo.
Mas medo de quê?
Poder, Percebeu Blaine.
O sentimento de poder nas suas mãos era espantoso, algo diferente de tudo o que jamais sentira.
Sentia-se tão bem que ficou assustado.
Riley mostrou-lhe como abrir o cilindro e retirar as munições vazias.
“Chega por hoje?” Perguntou Riley.
“Nem penses,” Disse Blaine sem fôlego. “Quero que me ensines tudo o que há para saber sobre esta coisa.”
Riley sorriu-lhe enquanto Blaine recarregava a arma.
Ainda sentia o seu sorriso ao apontar para outro alvo.
Entretanto ouviu o telemóvel de Riley tocar.
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