Brown tinha quarenta de cinco anos. Era grande e ainda era forte. Era um soldado de elite e assim sempre se mantivera. Há muitos anos, aprendera a suportar a dor e a exaustão na Escola Naval dos SEAL. Aprendera a matar e a não ser morto em várias zonas de conflito por todo o mundo. Aprendera a torturar na Escola das Américas. Tinha colocado em prática o que aprendera na Guatemala e em El Salvador, e mais tarde, na Base da Força Aérea de Bagram e na Baía de Guantánamo.
Brown já não trabalhava para a CIA. Não sabia para quem trabalhava e estava-se nas tintas para isso. Era um freelancer e era pago ao trabalho.
O dinheiro, e era muito dinheiro, era-lhe entregue em notas. Sacos de lona cheios de notas de cem dólares novinhas em folha, deixadas na bagageira de um Sedan alugado no Aeroporto Nacional Reagan. Uma mala de cabedal com meio milhão de dólares em notas de dez, vinte e cinquenta das séries de 1974 e 1977, colocada num cacifo de um ginásio nos subúrbios de Baltimore. Eram notas velhas, mas nunca tinham sido utilizadas e eram tão boas como as novas emitidas em 2013.
Há dois dias, Brown recebera uma mensagem para vir a esta casa. A casa era sua até aviso em contrário e a sua função era geri-la. Se aparecesse alguém, ele era o responsável. Tudo bem. Brown era bom em muitas coisas e um dos seus maiores talentos era chefiar.
No dia anterior de manhã, alguém rebentara com a Casa Branca. O Presidente e a Vice-Presidente fugiram para o bunker de Mount Weather, juntamente com cerca de metade do governo civil. À noite, alguém destruira Mount Weather com toda aquela gente lá dentro. Algumas horas depois, uma nova Presidente entrou em palco, a antiga Vice-Presidente. Muito bom.
Uma reviravolta total, liberais e conservadores a tomarem conta do poder, e tudo num só dia. É claro que o público precisava de culpar alguém e os novos responsáveis apontaram o dedo ao Irão.
Brown ansiava pelos próximos desenvolvimentos.
Já a noite ia avançada, quando quatro tipos atracaram um barco a motor no cais. Os tipos traziam esta mulher e esta criança. Os prisioneiros eram a família de alguém chamado Luke Stone. Pelos vistos, as pessoas partiram do princípio que Stone seria um problema. Naquela manhã, tornara-se clara a magnitude do problema que Stone constituía.
Em pouco tempo, o golpe tinha sido desmascarado e lá estava Luke Stone, de pé em cima dos destroços.
Mas Brown ainda tinha a mulher e o filho de Stone, e não fazia a mínima ideia do que fazer com eles. Não havia comunicações. Possivelmente deveria tê-los morto e abandonado a casa, mas em vez disso, esperou por ordens que nunca surgiram. Agora via uma carrinha Verizon FIOS à frente da casa e um desinteressante barco de pesca na água.
Pensariam que ele era parvo? Por favor. Topava-os à légua.
Dirigiu-se à entrada onde se encontravam dois homens trintões, com cabelo desgrenhado e barbas compridas – uma vida como agentes das operações especiais. Brown reconhecia-lhes o aspeto. Também lhes reconhecia o olhar e não era medo o que transmitiam.
Era excitação.
“Qual é o problema?” Questionou Brown.
“Caso ainda não tenhas reparado, estamos prestes a ser atacados.”
Brown assentiu. “Eu sei.”
“Não posso ir parar à prisão,” Disse o barba #1.
O barba #2 concordou. “Eu também não.”
Brown estava no mesmo barco que eles. Mesmo antes disto, se o FBI descobrisse a sua identidade real, esperavam-no várias condenações a prisão perpétua. Agora? Não valia a pena pensar nisso. Poderia demorar meses até o identificarem e entretanto, permaneceria numa cadeia municipal algures, rodeado de criminosos de terceira. Agora, pelo andar da carruagem, não podia contar com um milagre para o salvar.
Ainda assim, sentia-se calmo. “Este sítio é mais complicado do que parece.”
“Pois, mas não há saída,” Disse o barba #1.
E era bem verdade.
“Então afastamo-los e vemos se conseguimos negociar. Temos reféns.” Mal as palavras lhe saíram da boca, Brown compreendeu a impossibilidade do que dissera. Negociar o quê, passagem segura? Passagem segura para onde?
“Eles não vão negociar connosco,” Atirou o barba #1. “Vão mentir-nos até um atirador dar um tiro certeiro.”
“Ok,” Disse Brown. “Então o que é que querem fazer?”
“Lutar,” Respondeu o barba #2. “E se formos rechaçados, quero ter tempo de vir cá acima para enfiar uma bala nas cabeças dos nossos convidados antes de me enfiarem uma a mim.”
Brown aquiesceu. Já tinha estado em vários locais complicados e sempre tinha encontrado uma saída. Podia ser que ainda houvesse uma forma de se safar desta. Assim pensou, mas não lhes disse isso. Só alguns ratos conseguiam escapar de um navio a afundar-se.
“Parece-me bem,” Concordou. “É o que faremos. Agora, vão para as vossas posições.”
*
Luke vestiu o seu pesado colete à prova de bala. O peso ajustou-se ao seu corpo. Prendeu a cintura do colete, retirando algum peso de cima dos ombros. As suas calças cargo estavam protegidas com uma armadura Pele de Dragão super leve. Aos seus pés, no chão, encontrava-se um capacete de combate.
Ele e Ed estavam atrás da porta traseira aberta do Mercedes. O vidro esfumado da porta traseira ocultava-os das janelas da casa. Ed apoiou-se no carro. Luke tirou a cadeira de rodas de Ed, abriu-a e colocou-a no chão.
“Ótimo,” Disse Ed, abanando a cabeça. “Já tenho a minha carruagem, estou pronto para a batalha.” E libertou um suspiro.
“Então é assim,” Começou Luke. “Nós os dois não estamos aqui para brincadeiras. Quando a SWAT entrar, o mais provável é colocarem armas na porta do alpendre virada para o cais e forçarem a entrada. Não me parece que vá resultar. Quase aposto que a porta das traseiras é de aço duplo e não cede, e no alpendre vai ser uma tempestade dos diabos. Temos fantasmas lá dentro e eles não vão proteger a porta? Nem pensar. Penso que os nossos vão ser repelidos dali para fora. Esperemos que ninguém seja atingido.”
“Ámen,” Rematou Ed.
“Vou aparecer por trás da ação incial. Com isto.” Luke retirou uma submetralhadora Uzi da bagageira.
“E isto.” E sacou de uma shotgun Remington 870.
Sentiu o peso de ambas as armas. O peso era tranquilizador.
“Se os polícias entrarem e garantirem a segurança da casa, ótimo. Se não conseguirem entrar, não temos tempo a perder. A Uzi tem munições russas perfurantes. Deverão penetrar em qualquer proteção que aqueles tipos estejam a usar. Tenho meia dúzia de depósitos carregados, não vá precisar deles. Se der por mim numa luta na entrada, passo para a shotgun. Depois é despedaçar pernas, braços, pescoços e cabeças.”
“Sim, mas como planeias entrar lá dentro?” Questionou Ed. “Se os polícias não estiverem lá dentro, como é que entras?”
Luke dirigiu-se ao SUV e retirou de lá um lança-granadas M79. Parecia uma enorme shotgun serrada com uma coronha de madeira. Passou-a a Ed.
“Tu vais-me colocar lá dentro.”
Ed agarrou a arma com as suas mãos enormes. “Lindo.”
Luke agarrou em duas caixas de granadas M406, quatro em cada caixa.
“Quero que subas o quarteirão atrás dos carros estacionados do outro lado da rua. Antes de eu chegar lá, abre-me um belo buraco na parede. Aqueles tipos vão estar concentrados nas portas à espera que os polícias tentem arrombá-las. Em vez disso, vamos colocar uma granada nos seus colos.”
“Fixe,” Respondeu Ed.
“Depois da primeira, dá-lhes com mais uma. Depois agacha-te e fica fora do alcance deles.”
Ed passou a mão pelo cano do lança-granadas. “Achas que é seguro fazê-lo desta forma? Quero dizer… os teus estão lá dentro.”
Luke olhou fixamente para a casa. “Não sei. Mas na maior parte dos casos de que tomei conhecimento, os prisioneiros estão ou na parte superior da casa ou na cave. Estamos na praia e o lençol freático não permite a existência de uma cave. Por isso, penso que se estão nesta casa, encontram-se lá em cima, naquele canto superior direito, o que não tem janelas.”
Olhou para o relógio. 16:01.
Tal como planeado, um carro azul blindado surgiu a acelerar na esquina. Luke e Ed viram-no passar. Era um Lenco BearCat com blindagem de aço, ameias, refletores e demais adereços.
Luke sentiu o roçagar de algo no peito. Era medo. Era pavor. Tinha passado as últimas vinte e quatro horas a fingir que não sentia nada em relação ao facto de assassinos contratados terem a sua mulher e filho reféns. Ocasionalmente, os seus verdadeiros sentimentos em relação à situação ameaçavam eclodir, mas ele reprimia-os outra vez.
Não havia tempo para sentimentos.
Olhou para Ed, sentado na sua cadeira de rodas com um lança-granadas no colo. O rosto de Ed endurecera. Os olhos faiscavam a frieza do aço. Ed era um homem que vivia de acordo com os seus valores e Luke sabia-o. Esses valores incluíam lealdade, honra, coragem e a aplicação de uma força avassaladora em benefício do que era bom e justo. Ed não era um monstro. Mas naquele momento, podia muito bem ser.
“Estás pronto?” Perguntou Luke.
O rosto de Ed permaneceu imutável. “Eu nasci pronto, homem branco. E tu, estás pronto?”
Luke carregou as suas armas. Agarrou no capacete. “Estou pronto.”
Enfiou o suave capacete preto na cabeça e Ed fez o mesmo com o seu. Luke baixou a máscara. “Intercomunicadores ligados,” Disse.
“Ligados,” Corroborou Ed. Parecia que Ed estava dentro da cabeça de Luke. “Ouço-te perfeitamente. Agora, vamos a isto.” E Ed deslocou-se para o outro lado da rua.
“Ed!” Chamou Luke. “Preciso de um grande buraco naquela parede. Uma abertura que me permita passar.”
Ed ergueu uma mão e continuou o seu caminho. Poucos momentos depois já se encontrava atrás dos carros estacionados do outro lado da rua, não visível a olhares indiscretos.
Luke deixou a porta da bagageira aberta e agachou-se atrás dela. Tocou em todas as suas armas. Tinha uma Uzi, uma shotgun, uma arma de mão e duas facas, em caso de necessidade. Respirou fundo e olhou para o céu azul. Ele e Deus não estavam propriamente de boas relações. Era bom se um dia tivessem a mesma opinião em relação a algumas coisas. Se era verdade que Luke nunca precisara de Deus, também era verdade que precisava Dele agora.
Uma nuvem volumosa e lenta flutuava no horizonte.
“Por favor,” Suplicou Luke à nuvem.
Momentos depois, o tiroteio começava.
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