Riley rastejava na terra num espaço escuro debaixo de uma casa. Escuridão total a rodeava. Perguntava-se porque é que não tinha consigo uma lanterna. Afinal de contas, já tinha estado naquele lugar horrível.
Mais uma vez, ouviu a voz de April a chamá-la na escuridão.
“Mãe, onde estás?”
O desespero apoderou-se do coração de Riley. Ela sabia que April estava presa algures no meio daquela maléfica escuridão. E estava a ser torturada por um monstro horrível.
“Estou aqui,” Disse Riley. “Estou a ir. Continua a falar para te encontrar.”
“Estou aqui,” Disse April.
Depois a voz ecoou na escuridão.
“Estou aqui… Estou aqui… Estou aqui…”
Já não era apenas uma voz e já não era apenas uma rapariga. Muitas raparigas estavam a pedir a sua ajuda. E Riley não fazia a mínima ideia de como as encontrar a todas.
Riley acordou do seu pesadelo por alguém que lhe apertava a mão. Adormecera a segurar na mão de April e agora a filha começava a acordar. Riley sentou-se e olhou para a filha deitada na cama.
O rosto de April ainda estava algo pastoso e pálido, mas a sua mão estava mais forte e já não estava fria. Tinha muito melhor aspeto do que no dia anterior. A noite que passara na clínica fizera-lhe muito bem.
April conseguiu fixar o olhar em Riley. Depois vieram as lágrimas, tal como Riley previra.
“Mãe, e se tu não tivesses chegado?” Disse April com a voz sufocada.
Riley sentiu os olhos a arder. April já tinha feito aquela pergunta vezes sem conta e Riley nem conseguia imaginar a resposta, quanto mais verbalizá-la.
O telemóvel de Riley tocou. Era Mike Nevins, o psiquiatra forense e grande amigo que tinha ajudado Riley em muitas crises pessoais e que mais uma vez a auxiliava nesta.
“Só para saber se está tudo bem,” Disse Mike. “Espero não estar a ser inoportuno.”
Riley ficou feliz por ouvir a voz amigável de Mike.
“De maneira nenhuma, Mike. Obrigada por ligares.”
“Como é que ela está?”
“Melhor, acho eu.”
Riley não sabia o que teria feito sem a ajuda de Mike. Depois de Riley ter libertado April das garras de Joel, teve que recorrer a serviços de emergência, tratamentos médicos e relatórios de polícia. Na noite anterior, Mike tinha conseguido que April fosse admitida no Centro de Saúde e Reabilitação de Corcoran Hill.
Era muito mais agradável do que um hospital. Mesmo com todo o equipamento necessário, o quarto era agradável e confortável. Pela janela, Riley via árvores dispostas em terrenos bem tratados.
Naquele preciso momento, o médico de April entrou no quarto. Riley terminou a chamada assim que o Dr. Ellis Spears, um homem de aspeto bondoso e rosto jovem com algumas brancas, entrou.
Tocou na mão de April e perguntou, “Como te sentes?”
“Não muito bem,” Disse April.
“Bem, tens que dar algum tempo,” Disse ele. “Vais ficar bem. Senhora Paige, posso falar consigo?”
Riley acenou e seguiu-o até ao corredor. O Dr. Spears relanceou alguma informação que tinha na sua pasta.
“A heroína já quase saiu do sistema,” Disse ele. “O rapaz deu-lhe uma dose perigosa. Felizmente, abandona a corrente sanguínea rapidamente. O mais certo é não ter mais sintomas de dependência. O sofrimento por que está a passar agora é mais psicológico do que físico.”
“Ela terá…?” Riley não conseguiu terminar a pergunta.
Felizmente, o médico compreendeu o que ela queria saber.
“Uma recaída ou necessidade da droga? É difícil dizer. O uso da heroína pela primeira vez fá-los sentirem-se magníficos – como nada igual no mundo. Ela não é viciada, mas não é provável que se vá esquecer daquela sensação. Há sempre o perigo de ser atraída para a sensação fantástica que lhe proporcionou.”
Riley percebeu onde o médico queria chegar. A partir daquele momento, era de extrema importância manter April afastada da possibilidade de usar drogas. Era uma perspetiva terrificante. April agora admitia já ter fumado erva e tomado comprimidos – alguns eram analgésicos, opióides muito perigosos.
“Dr. Spears, eu…”
Por um instante, Riley não conseguiu formular a pergunta que tinha em mente.
“Não compreendo o que é que se passou,” Disse por fim. “Porque é que ela faria algo assim?”
O médico sorriu-lhe e Riley imaginou que o Dr. Spears já ouvira aquela pergunta muitas vezes.
“Fuga,” Disse ele. “Mas não estou a falar de uma fuga absoluta da vida. Ela não é esse tipo de consumidora. Na verdade, nem penso que seja uma consumidora por natureza. Tal como todos os adolescentes, tem dificuldade em controlar os seus impulsos. Trata-se unicamente de uma questão de imaturidade do cérebro. Ela gostava da sensação passageira que as drogas lhe davam. Felizmente, não consumiu durante tempo suficiente para sofrer efeitos a longo-prazo.”
O Dr. Spears pensou em silêncio durante um momento.
“A experiência por que passou foi anormalmente traumática,” Disse. “Falo da forma como aquele rapaz a tentou explorar sexualmente. Só essa memória pode ser suficiente para a manter afastada das drogas para sempre. Mas também é possível que o sofrimento emocional seja um perigoso estímulo.”
Riley ficou desanimada ao ouvir aquelas palavras. O sofrimento emocional parecia ser um facto inevitável na sua família por aqueles dias.
“Temos que a vigiar durante alguns dias,” Disse o Dr. Spears. “Depois disso, vai precisar de imensos cuidados, descanso e ajuda psicológica.”
O médico despediu-se e continuou as suas visitas. Riley ficou no corredor, sentindo-se só e preocupada.
Foi isto o que aconteceu à Jilly? Perguntou-se. Poderia a April ter terminado como aquela criança desesperada?
Há dois meses em Phoenix, Arizona, Riley tinha salvado uma rapariga mais nova do que April da prostituição. Tinha-se formado entre as duas um estranho laço emocional e Riley tinha tentado manter o contacto com ela depois de a colocar num abrigo para adolescentes. Mas há alguns dias, Riley fora informada de que Jilly fugira. Impossibilitada de voltar a Phoenix, Riley pediu a ajuda de um agente do FBI. Ela sabia que o homem se sentia em dívida para com ela e esperava obter notícias naquele mesmo dia.
Entretanto, Riley estava onde tinha que estar: a apoiar April.
Quando se encaminhava para o quarto da filha ouviu uma voz a chamar o seu nome no fundo do corredor. Virou-se e viu o rosto preocupado do seu ex-marido Ryan, a ir ao seu encontro. Quando lhe ligara no dia anterior para lhe comunicar o sucedido, ele estava em Minneapolis a trabalhar.
Riley ficou surpreendida por vê-lo. A filha de Ryan encontrava-se no fundo da sua lista de prioridades – mais abaixo do seu trabalho como advogado e muito mais abaixo da liberdade que agora gozava enquanto homem solteiro. Riley até duvidara que ele aparecesse.
Mas agora Ryan apressou-se a juntar-se a Riley e abraçou-a com o rosto ensombrado pela preocupação.
“Como é que ela está? Como é que ela está?”
Ryan não parava de repetir a pergunta, tornando difícil a Riley responder.
“Vai ficar bem,” Disse Riley finalmente.
Ryan afastou Riley e olhou para ela com uma expressão angustiada.
“Peço desculpa,” Disse. “Peço tanta, tanta desculpa. Tu tinhas-me dito que a April estava com problemas, mas eu não ouvi. Eu devia ter estado aqui para vos apoiar.”
Riley não sabia o que dizer. As desculpas não eram propriamente o estilo de Ryan. Na verdade, esperava que ele desatasse a responsabilizá-la pelo que tinha acontecido. Essa sempre tinha sido a sua forma de lidar com crises familiares. Aparentemente, o que acabara de acontecer a April era demasiado terrível a ponto de o afetar. Com certeza que já tinha falado com o médico e soubera da terrível história completa.
Ele fez um gesto com a cabeça na direção da porta.
“Posso vê-la?” Perguntou.
“Claro que sim,” Disse Riley.
Riley ficou no corredor e observou Ryan a abeirar-se da cama de April, a abraçá-la com força durante algum tempo. Pareceu-lhe ver as costas a agitarem-se com um único soluço. Depois ele sentou-se ao lado de April e segurou-lhe na mão.
April recomeçou a chorar.
“Oh, papá, fiz uma asneira tão grande,” Disse. “Andava com um rapaz…”
Ryan tocou-lhe nos lábios para a silenciar.
“Shh. Não precisas de me dizer nada. Está tudo bem.”
Riley sentiu um nó na garganta. De repente, pela primeira vez em muito tempo, sentiu que os três eram uma família. Seria uma coisa boa ou má? Seria um sinal de que melhores tempos viriam ou outro desenvolvimento rumo à desilusão e à mágoa? Não sabia.
Riley observou da porta Ryan a afagar carinhosamente o cabelo da filha e April a fechar os olhos e a descontrair. Era uma cena comovente.
Quando é que tudo se desmoronou? Pensou Riley.
Deu por si a desejar poder voltar atrás no tempo até algum momento crucial em que cometera algum erro terrível e fazer tudo de forma diferente para que nada daquilo alguma vez tivesse acontecido. E ela tinha a certeza de que Ryan pensava da mesma forma.
Era um pensamento irónico e ela sabia-o. O assassino que prendera há poucos dias era um homem obcecado por relógios que criava poses e dispunha as vítimas como ponteiros do mostrador de um relógio. E agora ali estava ela com os seus próprios anseios sobre o tempo.
Se eu tivesse conseguido manter o Peterson afastado dela, Pensou Riley, estremecendo.
Tal como Riley, April tinha sido aprisionada e torturada por aquela monstro sádico e o seu maçarico. Desde essa altura que April sofria de SPT.
Mas a verdade era que Riley sabia que o problema era mais amplo.
Talvez se o Ryan e eu nunca nos tivéssemos divorciado, Pensou.
Mas como podiam tê-lo evitado? Ryan era distante e desligado enquanto marido e enquanto pai, para além de ser mulherengo. Não que ele fosse o único culpado. Também ela tinha cometido os seus erros. Nunca tinha conseguido encontrar o equilíbrio entre o trabalho no FBI e a maternidade. E não se tinha apercebido dos muitos sinais de aviso em relação a April.
Sentiu-se ainda mais triste. Não, ela não se lembrava de um momento específico onde pudesse ter mudado tudo. A sua vida fora demasiado plena de erros e oportunidades falhadas. Para além disso, ela sabia perfeitamente que não podia recuar no tempo. Não valia a pena desejar o impossível.
O telemóvel tocou e Riley foi para o corredor. O seu coração bateu com mais força quando se apercebeu que a chamada era de Garrett Holbrook, o agente do FBI que andava à procura de Jilly.
“Garrett!” Disse, atendendo a chamada. “O que se passa?”
Garrett respondeu no seu característico tom monótono.
“Tenho boas notícias.”
De imediato, Riley começou a respirar mais confortavelmente.
“A polícia encontrou-a,” Disse Garrett. “Tinha estado na rua a noite toda sem dinheiro ou lugar para ir. Foi apanhada a roubar numa loja de conveniência. Estou com ela aqui na esquadra de polícia. Eu pago a caução, mas…”
Garrett parou de falar. Riley não gostou do som daquela palavra, “mas.”
“Talvez seja melhor falares com ela,” Disse ele.
Uns segundos mais tarde, Riley ouviu a voz familiar de Jilly.
“Olá, Riley.”
Agora que o pânico a abandonara, Riley demonstrou o quão zangada estava.
“Não me venhas com ‘olás’. Onde é que tinhas a cabeça para fugir assim?”
“Não vou voltar para lá,” Disse Jilly.
“Vais sim.”
“Por favor, não me obrigues a voltar para lá.”
Riley não respondeu de imediato. Não sabia o que dizer. Ela sabia que o abrigo onde Jilly fora acolhida era um lugar bom onde era acarinhada. Riley tivera a oportunidade de conhecer alguns elementos do pessoal, pessoas muito prestáveis.
Mas Riley também compreendia como é que Jilly se sentia. Da última vez que tinham falado, Jilly tinha-se queixado que ninguém a queria, que os pais adotivos nem a consideravam.
“Não gostam do meu passado,” Dissera Jilly.
Aquela conversa acabara mal com Jilly desfeita em lágrimas a implorar a Riley para a adotar. Riley não conseguira explicar as milhares de razões que tornavam essa hipótese impossível. Esperava que aquela conversa não acabasse da mesma forma.
Antes de Riley conseguir pensar no que dizer, Jilly disse, “O teu amigo quer falar contigo.”
Riley ouviu outra vez a voz de Garrett Holbrook.
“Não para de dizer isso – não vai voltar para o abrigo. Mas tenho uma ideia. Uma das minhas irmãs, a Bonnie, está a pensar em adotar. Tenho a certeza de que ela e o marido adorariam acolher a Jilly. Isto é se a Jilly…”
Garrett foi interrompido pelos gritinhos de satisfação de Jilly que não parava de gritar, “Sim, sim, sim!”.
Riley sorriu. Era mesmo de uma coisa daquelas que ela precisava naquele momento.
“Parece-me fantástico, Garrett,” Disse. “Diz-me como corre. Muito obrigado pela tua ajuda.”
“Sempre que precisares,” Disse Garrett.
E terminaram a chamada. Riley dirigiu-se novamente à porta do quarto e viu que Ryan e April estavam a conversar despreocupadamente. De repente, tudo parecia correr tão melhor. Apesar das suas falhas e das de Ryan, a verdade era que tinham dado a April uma vida muito melhor do que aquela que muitas outras crianças tinham.
E precisamente naquele momento, Riley sentiu uma mão no ombro e ouviu uma voz.
“Riley.”
Virou-se e viu o rosto amigo de Bill. Ao afastar-se da porta para falar com ele, Riley não conseguiu evitar olhar para o seu parceiro e para o ex-marido repetidamente. Mesmo no seu atual momento de desespero, Ryan aparentava ser o advogado de sucesso que era. O seu aspeto e modos suaves abriam-lhe portas em todo o lado. Bill, como tantas vezes percebera, parecia-se mais consigo. O seu cabelo escuro já tinha brancas e era mais robusto e amarrotado do que Ryan. Mas Bill era competente nas suas áreas de aptidão e fora muito mais fiável na sua vida.
“Como é que ela tem passado?” Perguntou Bill.
“Melhor. O que se passa com o Joel Lambert?”
Bill abanou a cabeça.
“Aquele bandido é cá uma peça,” Disse ele. “Mas está a falar. Diz que conhece uns tipos que fizeram rios de dinheiro com jovens e ele pensou tentar. Não demonstra sinais de remorso, é um sociopata cuspido e escarrado. De qualquer das formas, vai ser condenado e vai passar algum tempo dentro. Mas é capaz de fazer um acordo.”
Riley ficou contrariada. Odiava aqueles acordos e aquele em particular era perturbador.
“Sei o que pensas a esse respeito,” Disse Bill. “Mas parece-me que ele vai despejar tudo e podemos conseguir prender uma data de filhos da mãe. Isso é bom.”
Riley concordou. Era bom saber que algo de positivo se podia retirar deste acontecimento terrível. Mas havia uma coisa que tinha que falar com Bill e não sabia muito bem como dizê-lo.
“Bill, quanto ao meu regresso ao trabalho…”
Bill deu-lhe uma palmadinha no ombro.
“Não é preciso dizeres nada,” Disse Bill. “Não podes trabalhar em casos durante algum tempo. Precisas de uma pausa. Não te preocupes, eu compreendo. E toda a gente vai compreender em Quantico. Tira o tempo que precisares.”
Bill olhou para o relógio.
“Desculpa ter que me ir embora, mas…”
“Vai,” Disse Riley. “E obrigada por tudo.”
Abraçou Bill e ele foi-se embora. Riley ficou no corredor, a pensar no futuro próximo.
“Tira o tempo que precisares,” Dissera-lhe Bill.
Isso podia não ser fácil. O que acabara de acontecer a April era uma recordação de todo o mal que andava à solta. O trabalho dela era impedir que acontecessem o máximo de coisas negativas que conseguisse. E se havia uma coisa que aprendera na vida, era que o mal nunca dormia.
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