Keri pensou que poderia estar enjoada. Era quase engraçado. Afinal, ela morou em uma casa flutuante por vários anos. Mas flutuar em um veleiro nas águas abertas do canal, enquanto segurava binóculos nos olhos por períodos tão longos era uma proposta diferente.
Butch oferecera jogar a âncora no Pipsqueak, mas ambos Keri e Ray ficaram preocupados que um barco estacionário na água pudesse parecer suspeito. É claro, um barco vagando sem rumo para frente e para trás não era muito melhor.
Depois de cerca de quinze minutos, Butch sugeriu que eles se demorassem perto de uma doca do outro lado do parque, onde ao menos outros barcos os fariam se destacar menos. Keri, incerta de que ela poderia segurar a náusea por muito mais tempo, pulou na sugestão.
Eles encontraram um ponto livre e protelaram ali enquanto a meia noite se aproximava. O mordaz vento de inverno uivava lá fora. Sentada no pequeno banco próximo à janela, Keri podia escutar as águas ruidosamente lambendo o casco. Ela acolheu isso, tentando sincronizar a respiração ao seu ritmo. Ela sentiu o nó em seu estômago começar a afrouxar e o suor em sua testa reduzir um pouco.
Eram 11:57 da noite. Keri levou os binóculos aos olhos novamente e olhou através da água para o parque. Ray, poucos metros acima, estava fazendo o mesmo.
—Vendo alguma coisa? Perguntou Butch lá de cima. Ele estava animado para fazer parte de uma operação policial e estava tendo dificuldade em esconder isso. Era provavelmente a coisa mais agitada que lhe acontecia em anos.
Ele era o mesmo cara durão que ele se lembrava, definido por sua pele açoitada pelas condições do clima, seu feixe de cabelo branco despenteado e o cheiro perpétuo de álcool no seu hálito. Sob circunstâncias normais, operar um barco nas condições dele era uma violação. Mas ela estava disposta a deixar isso passar considerando a situação.
—Há algumas árvores bloqueando parcialmente a vista, ela murmurou de volta em voz alta. E é difícil ver com o reflexo da janela, mesmo com as luzes apagadas aqui embaixo.
—Eu não posso fazer nada sobre as árvores, disse Butch. Mas, sabe, as janelas abrem parcialmente.
—Eu não sabia, ela admitiu.
—Por quanto tempo você morou naquele barco? Perguntou Ray.
Keri, alegremente surpresa que ele estava inclinado a se envolver em provocações, botou a língua para fora antes de adicionar, "Aparentemente não tempo suficiente.
Uma voz chegou pelos seus comunicadores, interrompendo o momento mais natural que tiveram em todo o dia. Era o Tenente Hillman.
“Aviso a todas as unidades. Aqui é a Unidade Um. O mensageiro tem a carga, estacionou e está em rota para o destino a pé.”
Hillman era uma das pessoas posicionadas no segundo andar do Windjammers Club, o qual tinha um ponto de vista de grande parte do parque, incluindo a ponte. Ele estava usando termos não específicos pré-estabelecidos para todos os envolvidos evitarem compartilhar muitas informações pelas linhas de comunicação, as quais sempre pareciam ser hackeadas por cidadãos curiosos que gostavam de bisbilhotar o tráfego da polícia. Rainey era o mensageiro. A bolsa de dinheiro era a carga. A ponte era o destino. O sequestrador seria referenciado como o sujeito e Jessica como o recurso.
—Aqui é a Unidade Quatro. Posso ver o destino, disse Keri, finalmente encontrando um ângulo com uma visão clara da ponte. Não há qualquer pessoa visível nas proximidades.
—Aqui é a Unidade Dois, veio a voz da Policial Jamie Castillo, que estava atuando no papel de mulher sem teto no parque. O mensageiro acaba de passar por minha localização a oeste do prédio comunitário próximo ao café. As outras únicas pessoas que eu vejo são dois indivíduos sem teto. Ambos estiveram aqui por toda a tarde. Ambos aparentam estar dormindo.
—Mantenha um olho nesses indivíduos, Unidade Dois, disse Hillman. Não sabemos como o sujeito se parece. Qualquer coisa é possível.
—Entendido, Unidade Um.
—Espero que vocês possam me escutar, um nervoso Tim Rainey sussurrou alto no microfone em sua lapela. Estou no parque e seguindo para ponte.
—Arg, abafou Ray sob sua respiração. Nós vamos ter comentários em tempo real desse cara?
Keri franziu o cenho para ele.
—Ele está nervoso, Ray. Pegue leve com ele.
—Aviso a todas as unidades. Aqui é o QG, Manny Suarez disse da van no estacionamento do shopping que servia como central móvel. Temos olhos em toda a área e não há movimento no momento a não ser o mensageiro, que está a cinquenta metros do destino.
Keri olhou para seu relógio. 11:59 da noite. À distância, ela ouviu o motor de um barco na outra extremidade do canal principal da marina. Marinheiros, que gostavam de tomar banho de sol durante o dia nas docas, estavam chamando um ao outro. Fora disso, o vento e as ondas, estavam silenciosos.
—Movimento na Mindanao Way aproximando-se do parque, veio uma voz desconhecida e agitada.
—Identifique sua unidade, bradou Hillman, e não use nomes próprios.
—Desculpe, senhor. Aqui é a Unidade Três. Há um veículo se aproximando do parque pela... rua que leva a ele. Parece ser uma moto.
Keri percebeu quem era a Unidade Três—o Policial Roger Gentry. A Oeste de LA não era a maior divisão do LAPD e eles estavam com carência de força de trabalho a essa hora, então Hillman juntou todos policiais não encarregados e isso incluía Gentry. Ele era novato, no trabalho há menos de um ano, cerca do mesmo tempo que Castillo, mas muito menos confiante ou, aparentemente, capaz.
—Alguém mais tem visual? Hillman perguntou.
—Alguém pode escutar isso? Perguntou Tim Rainey demasiadamente alto, aparentemente por esquecer que ninguém poderia respondê-lo. Parece que alguém está vindo.
—Aqui é a Unidade Dois, disse Castillo a partir do seu recanto improvisado perto do centro comunitário. Tenho visual. É uma moto. Não consigo identificar da minha posição, mas é pequena, uma Honda, eu acho. Apenas um motorista. Entrou no parque e está seguindo a ponta sul da estrada de serviço na direção geral do destino e do mensageiro.
Keri também via a moto agora, acelerando pela estrada de serviço que contornava a borda do parque próxima a água. Ela voltou sua atenção para Tim Rainey, que estava em pé rígido no meio da ponte, sua mão direita segurando a bolsa firmemente.
—Aqui é a Unidade Um, anunciou Hillman. Nós temos o rifle a postos, preparado para dar assistência. Alguém tem um visual atualizado do veículo?
—Aqui é Unidade Quatro, disse Ray. Temos um visual. Motorista sozinho viajando acerca de oitenta quilômetros por hora pela borda da estrada de serviço. Veículo virando à direita, para o norte, na direção geral do destino.
—Acho que é alguém de moto, disse Tim Rainey. Alguém sabe quem é? É o cara? Ele está com Jess?
—Unidade Quatro, aqui é a Unidade Um, disse Hillman, ignorando a conversa de Rainey. "Você vê alguma arma? Rifle, preparar.
—Rifle pronto, veio a voz do atirador ao lado de Hillman em um quarto no segundo andar do clube de iatismo.
—Aqui é a Unidade Quatro, respondeu Ray. Não vejo qualquer arma. Mas minha visão está comprometida pela escuridão e pela velocidade do veículo.
—Rifle ao meu sinal, disse Hillman.
—Ao seu sinal, o atirador respondeu calmamente.
Keri assistiu enquanto o condutor da moto apertou os freios e de repente empinou a moto de forma dramática. Quando a roda da frente atingiu o asfalto novamente, o piloto foçou a moto em uma volta curta, fazendo três círculos antes de sair e acelerar de volta na direção de onde veio.
—Aqui é a Unidade Quatro, ela disse rapidamente. Desengajar. Repito, recomendo o Rifle a não prosseguir. Acho que temos um piloto se divertindo em mãos.
—Rifle, desengajar, ordenou Hillman.
Certamente, a moto continuou de volta por onde havia chegado, pela estrada de serviço e através do estacionamento pago. Ela perdeu visão da moto quando entrou de novo na Mindanao.
—Quem tem olhos no mensageiro? Perguntou Hillman com urgência.
—Aqui é a Unidade Quatro, continuou Keri. O mensageiro está abalado, mas ileso. Ele está parado lá, sem saber como proceder.
—Francamente, eu também estou, admitiu Hillman. Vamos apenas ficar alertas, pessoal. Isso pode ter sido uma distração.
—Alguém está vindo me buscar? Perguntou Rainey, como se em resposta a Hillman. Devo apenas ficar aqui? Vou assumir que devo a não ser que eu escute o contrário.
—Deus, eu queria que ele se calasse, abafou Ray, colocando sua mão sobre o microfone de forma que apenas Keri e Butch pudessem o ouvir. Keri não respondeu.
Depois de cerca de dez minutos, Keri viu Rainey, ainda de pé no meio da ponte, verificar seu telefone.
—Espero que você possa me ouvir, ele disse. Acabo de receber uma mensagem. Diz ‘Ao envolver as autoridades, você traiu minha confiança. Você sacrificou a oportunidade de redimir a criança pecadora. Agora devo determinar remover o demônio eu mesmo ou perdoar a sua insubordinação e permiti-lo mais uma vez purificar a alma dela. O destino dela estava em suas mãos. Agora está nas minhas.’ Ele sabia que vocês estavam aqui. Todo seu planejamento elaborado foi para nada. E agora eu não tenho ideia se ele vai entrar em contato comigo novamente. Vocês podem ter matado a minha filha!
Ele gritou essa última frase, sua voz irrompendo em fúria. Keri podia ouvir sua voz mesmo através da marina como se viesse dos comunicadores. Ela o viu cair de joelhos, largar a bolsa, levar as mãos ao rosto e começar a chorar. A dor dele sentia intimamente familiar.
Era o choro de angústia de um pai que acreditava que sua criança estava perdida para sempre. Ela reconhecia isso, porque ela havia chorado da mesma forma quando a sua própria filha fora raptada e ela não podia fazer nada para impedir.
Keri saiu correndo da cabine do barco e chegou ao convés apenas a tempo de vomitar do outro lado no oceano.
Jessica Rainey contraiu os dedos para impedi-los de ficarem dormentes outra vez. Eles estavam amarrados atrás de suas costas, atados ao cano no qual ela se recostava sentada. O chão era asfalto, duro e frio. A única luz fluorescente que pendia do teto piscava intermitentemente, tornando impossível cair no sono.
Ela não estava certa de quanto tempo ela estivera nesse lugar, mas sabia que havia sido tempo o suficiente para o dia virar noite. Ela podia perceber, porque pequenas rachaduras na parede deixavam a luz do sol entrar na sala. Não havia mais luz agora.
Ela nem reparou nas rachaduras inicialmente. Quando ela acordou, tudo que ela fez foi gritar e tentar se soltar dando trancos no cano. Ela gritou por ajuda. Ela gritou por seus pais. Ela gritou até por seu irmão mais novo, Nate, não que ele poderia tê-la ajudado.
E ela puxou tão forte as amarras em seus pulsos que quando olhou para trás, podia ver as gotas de sangue onde haviam sido cavadas em sua pele e pingado no chão.
Foi por volta daquela hora que ela reparou que não estava vestindo as próprias roupas. Alguém as removeu e as substituiu com um vestido sem mangas que batia em seus joelhos. Claramente, era feito em casa, cosido desigualmente.
Além disso, era grosseiro e áspero, como se fosse feito de vários sacos de estopa. Se ela não estivesse tão dolorida, ela estaria totalmente focada no quanto estava coçando. Ela se recusou a pensar sobre como teria passado de uma vestimenta para outra.
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