Cassie estava esperando dormir bem em seu quarto aconchegante, com o banho da arrebentação do lado de fora como o único som. Certamente teria dormido, não fosse pela mensagem desconcertante enviada de um número desconhecido enquanto ela estivera sentada na varanda com Ryan.
Seu primeiro pensamento de pânico foi que se tratava do julgamento por assassinato de seu antigo empregador; que, de alguma forma, ela tivesse sido implicada e estivesse sendo caçada. Tentou checar as últimas notícias e descobriu, para sua frustração, que Ryan já desligara o Wi-Fi.
Revirou-se de um lado para o outro, preocupada com o que poderia significar e quem teria enviado a mensagem, tentando se tranquilizar de que provavelmente era o número errado e que a mensagem era para outra pessoa.
Após uma noite inquieta, ela conseguiu cair em um sono perturbado e foi acordada pelo som de seu despertador. Apanhou seu celular e descobriu, com alívio, que o sinal estava de volta.
Antes de sair da cama, buscou as notícias do julgamento.
Cassie descobriu que um adiamento havia sido solicitado e o julgamento seria retomado em duas semanas. Pesquisando com mais cuidado, descobriu que era devido à necessidade da equipe de defesa de ter mais tempo para contatar testemunhas adicionais.
Isso fez com que ela sentisse náuseas de medo.
Olhou novamente para a estranha mensagem, “Tome cuidado”, perguntando-se se deveria responder e perguntar o que significava, porém, em algum momento durante a noite, a pessoa devia tê-la bloqueado, porque ela descobriu que não era possível enviar uma mensagem de volta.
Em desespero, ela tentou ligar para o número.
A ligação foi cortada imediatamente. Suas ligações claramente também foram bloqueadas.
Cassie suspirou, frustrada. Cortar comunicações parecia mais assédio do que um aviso legítimo. Ela aceitaria que se tratava do número errado, algo que a pessoa que enviou a mensagem havia percebido tarde demais, bloqueando-a como resultado.
Sentindo-se marginalmente tranquilizada, ela saiu da cama e foi acordar as crianças.
Dylan já estava de pé – Cassie supôs que ele tivesse saído de bicicleta. Torcendo para que ele não pensasse nisso como uma intrusão, ela entrou no quarto, esticou o edredom e os travesseiros e recolheu as roupas jogadas.
As prateleiras dele estavam abarrotadas de uma grande variedade de livros, incluindo vários sobre ciclismo. Dois peixes dourados nadavam em um aquário na parte superior da estante de livros e havia uma coelheira sobre uma grande mesa perto da janela. Um coelho cinza comia alface de café-da-manhã e, em contentamento, Cassie observou-o por um minuto.
Saindo do quarto, ela bateu na porta de Madison.
– Só mais dez minutos – a jovem menina respondeu, sonolenta, então Cassie foi até a cozinha para começar o café-da-manhã.
Lá, viu que Ryan havia deixado um maço de dinheiro debaixo do saleiro com um bilhete escrito à mão: “Fui para o trabalho. Leve as crianças para passear e divirtam-se! Volto à noite”.
Cassie colocou a primeira leva de pães na linda torradeira floral e encheu a chaleira. Enquanto estava ocupada preparando o café, Madison entrou bocejando, enrolada em um roupão cor-de-rosa.
– Bom dia – Cassie a saudou.
– Bom dia. Ainda bem que você está aqui. Todo mundo nesta casa acorda cedo demais – ela reclamou.
– O que posso te servir? Chá? Suco?
– Chá, por favor.
– Torrada?
Madison sacudiu a cabeça. – Ainda não estou com fome, obrigada.
– O que gostaria de fazer hoje? Seu pai disse para sairmos – Cassie disse, servindo chá conforme Madison havia pedido, com um pingo de leite e sem açúcar.
– Vamos para a cidade – Madison disse. – É divertido aos finais de semana. Várias coisas para fazer.
– Boa ideia. Sabe quando Dylan estará de volta?
– Ele geralmente sai por uma hora – Madison fez uma concha com as mãos ao redor de sua caneca, assoprando o líquido fumegante.
Cassie estava impressionada com o quanto as crianças pareciam ser independentes. Claramente, não estavam acostumados a serem superprotegidos. Ela supôs que o vilarejo fosse pequeno e seguro o bastante para ser tratado como uma extensão da casa deles.
Dylan não tardou a retornar e, às nove horas, eles estavam vestidos, prontos para partir em seu passeio. Cassie presumiu que iriam de carro, mas Dylan a alertou contra isto.
– É difícil estacionar no fim de semana. Geralmente, descemos caminhando. São pouco mais de dois quilômetros, depois voltamos de ônibus. Ele sai a cada duas horas, então só precisamos calcular bem o tempo.
A caminhada até o vilarejo não poderia ser mais cênica. Cassie estava encantada pela vista deslumbrante do mar, em constante mudança, e as casas pitorescas ao longo do caminho. De algum lugar ao longe, ela conseguia ouvir sinos de igreja. O ar estava fresco e gélido, e respirar o aroma do mar era puro prazer.
Madison saltitava adiante, apontando as casas das pessoas que conhecia, o que parecia ser quase todo mundo.
Algumas das pessoas que passavam por eles de carro acenavam, e uma mulher parou seu Range Rover para oferecê-los carona.
– Não, obrigada, Sra. O’Donoghue, estamos felizes em caminhar – Madison declarou. – Mas talvez precisemos de você na volta!
– Vou procurar por vocês! – a mulher prometeu com um sorriso antes de sair com o carro. Madison explicou que a mulher e o marido dela moravam costa adentro e tinham uma pequena fazenda orgânica.
– Tem uma loja que vende os produtos deles na cidade e, às vezes, eles fazem doces caseiros também – Madison disse.
– Definitivamente iremos até lá.
– Os filhos dela têm sorte. Eles frequentam um colégio interno na Cornualha. Eu queria ir também – Madison disse.
Cassie franziu o cenho, perguntando-se por que Madison iria querer passar um tempo longe de uma vida tão perfeita. A não ser, talvez, que o divórcio tivesse tornado a garota insegura e ela desejasse uma comunidade maior ao redor dela.
– Você está feliz na sua escola atual? – ela perguntou, só por precaução.
– Ah, sim, é ótimo, tirando que eu preciso estudar – Madison disse.
Cassie ficou aliviada por não parecer haver algum problema oculto, como bullying.
As lojas eram tão pitorescas quanto ela esperara. Havia algumas lojas vendendo apetrechos de pesca, roupas de inverno e equipamentos esportivos. Lembrando-se de como suas mãos tinham estado frias enquanto bebia vinho com Ryan na noite anterior, Cassie experimentou um lindo par de luvas, mas decidiu, em vista de suas finanças e da falta de dinheiro disponível, que seria melhor esperar e comprar um par mais barato.
O cheiro de pão assando os atraiu a atravessar a rua até a confeitaria. Após debater com as crianças, comprou um pão de massa azeda e uma torta de noz-pecã para levar para casa.
A única decepção da manhã acabou sendo a loja de doces.
Quando Madison marchou até a porta, cheia de expectativas, ela parou, de crista caída.
A loja estava fechada, com um bilhete escrito à mão colado ao vidro, dizendo: “Caros clientes, estamos fora da cidade este fim de semana para um aniversário da família! Estaremos de volta para servi-los de suas iguarias favoritas na terça-feira”.
Madison suspirou com tristeza.
– A filha deles geralmente abre a loja quando eles não estão. Acho que todos foram para esta festa estúpida.
– Acho que sim. Mas não importa. Podemos voltar na semana que vem.
– Mas está tão longe.
Cabisbaixa, Madison deu as costas e Cassie mordeu os lábios ansiosamente. Estava desesperada para que este passeio fosse um sucesso. Estivera imaginando o rosto de Ryan se iluminando quando eles contassem sobre o dia feliz, e como ele poderia olhar para ela cheio de gratidão ou até elogiá-la.
– Voltaremos semana que vem – repetiu, sabendo que este consolo era pequeno para uma menina de nove anos que tinha acreditado que pirulitos de hortelã estavam em seu futuro imediato. – E talvez encontremos doces em outras lojas – ela acrescentou.
– Vamos lá, Maddie – Dylan disse, impaciente, pegando a mão dela e a conduzindo para longe da loja. Adiante, Cassie notou a loja sobre a qual Madison havia lhe falado, cuja dona era a mulher que oferecera carona a eles.
– Uma última loja, depois decidimos onde vamos almoçar – ela disse.
Com o pensamento em jantares e lanches saudáveis, Cassie selecionou algumas sacolas de vegetais fatiados, uma sacola de peras e algumas frutas secas.
– Podemos comprar castanhas? – Madison pediu. – Ficam deliciosas assadas na lareira. Fizemos isso no inverno passado, com a minha mãe.
Era a primeira vez que algum deles mencionava a mãe e Cassie esperou, ansiosa, observando Madison para descobrir se a lembrança lhe deixaria chateada, ou se este seria um sinal de que ela gostaria de conversar sobre o divórcio. Para seu alívio, a jovem menina parecia calma.
– Claro que podemos. É uma boa ideia – Cassie adicionou uma sacola à sua cesta.
– Olhe, lá estão os doces caseiros!
Madison apontou, empolgada, e Cassie supôs que o momento tivesse passado. Mas, ao mencionar sua mãe uma vez, ela havia quebrado o gelo e talvez quisesse conversar mais sobre isso depois. Cassie lembrou-se de permanecer sensível a qualquer sinal. Não queria perder a oportunidade de ajudar qualquer uma das crianças nesse período difícil.
As sacolas estavam expostas no balcão ao lado do caixa, junto a outras guloseimas. Havia maçãs do amor, doce de leite, balas listradas de hortelã, pequenos saquinhos de manjar turco e até mesmo bastões de bala em miniatura.
– Do que vocês gostariam, Dylan e Madison? – ela perguntou.
– Uma maçã do amor, por favor. E doce de leite e um daqueles bastões de bala – Madison disse.
– Uma maçã do amor, dois bastões de bala, doce de leite e manjar turco – Dylan adicionou.
– Acho que talvez dois doces para cada um seja o suficiente, senão vai estragar o almoço – Cassie disse, lembrando-se que açúcar em excesso era desencorajado nesta família. Pegou duas maçãs do amor e dois pacotes de doce de leite na prateleira. – Será que seu pai gostaria de alguma coisa? – Ela sentiu uma onda de calor por dentro ao falar de Ryan.
– Ele gosta de castanhas – Madison disse, apontando para uma prateleira de castanhas-de-caju assadas. – Essas são as favoritas dele.
Cassie acrescentou uma sacola à sua cesta e foi até o caixa.
– Boa tarde – ela cumprimentou a ajudante da loja, uma jovem loira gordinha com um crachá que dizia “Tina”, e que sorriu para ela e saudou Madison pelo nome.
– Olá, Madison. Como está seu pai? Já saiu do hospital?
Cassie olhou de relance para Madison, preocupada. Tratava-se de alguma coisa que não haviam lhe contado? Mas Madison estava franzindo o cenho, confusa.
– Ele não esteve no hospital.
– Ah, sinto muito, devo ter entendido errado. Quando ele veio aqui, na semana passada, ele disse… – Tina começou.
Madison interrompeu, encarando a atendente com curiosidade enquanto ela somava as compras.
– Você engordou.
Horrorizada pela falta de tato do comentário, Cassie sentiu seu rosto ficando vermelho, assim como o de Tina.
– Sinto muito – ela murmurou, desculpando-se.
– Tudo bem.
Cassie viu Tina ficando cabisbaixa com o comentário. O que tinha dado em Madison? Não havia sido ensinada a não dizer coisas assim? Era jovem demais para perceber o quanto aquelas palavras machucavam?
Percebendo que mais pedidos de desculpas não redimiriam a situação, pegou seu troco e apressou a jovem menina para fora da loja antes que ela pensasse em outra coisa insensível e pessoal para anunciar.
– É falta de educação dizer coisas assim – explicou quando saíram do alcance de voz.
– Por quê? – Madison perguntou. – É verdade. Ela está muito mais gorda do que quando a vi em agosto, nas férias.
– É sempre melhor não dizer nada quando notar algo desse tipo, especialmente se outras pessoas estão escutando. Ela pode ter algum problema hormonal ou estar tomando medicamentos que a fazem ganhar peso, como cortisona. Ou ela pode estar grávida e não querer que ninguém saiba ainda.
Olhou de canto de olho para Dylan, à esquerda, para ver se ele estava escutando, mas ele estava remexendo em seus bolsos, parecendo preocupado.
Madison franziu o cenho enquanto pensava.
– Certo – ela disse. – Vou me lembrar disso da próxima vez.
Cassie soltou o ar, aliviada por sua lógica ter sido compreendida.
– Quer uma maçã do amor?
Cassie entregou à Madison a maçã do amor, que ela guardou no bolso, depois estendeu a outra à Dylan. Mas, quando ela a ofereceu, ele a dispensou.
Olhando para ele em descrença, Cassie viu que ele desembrulhava uma das balas em bastões da loja que tinham acabado de visitar.
– Dylan… – ela começou.
– Ah, não, eu queria uma dessas – Madison reclamou.
– Peguei uma para você – Dylan enfiou a mão no fundo do bolso de seu casaco e, para o horror de Cassie, puxou diversas outras balas. – Aqui – ele disse, passando uma para Madison.
– Dylan! – Cassie sentiu-se sem ar e sua voz soava aguda e estressada. Sua mente corria enquanto ela lutava para absorver o que acabara de acontecer. Tinha interpretado mal a situação?
Não. De jeito nenhum Dylan poderia ter comprador aqueles doces. Após o comentário constrangedor de Madison, ela havia tirado os dois da loja depressa. Não houvera tempo para que Dylan pagasse, especialmente já que a ajudante não estivera muito apta a trabalhar na caixa registradora antiquada.
– Sim? – ele perguntou, olhando para ela inquisitivamente, e Cassie arrepiou-se com o fato de não haver nenhum traço de emoção nos pálidos olhos azuis.
– Eu acho… Acho que você se esqueceu de pagar por isso.
– Não paguei – ele disse, casualmente.
Cassie olhou para ele fixamente, chocada além de palavras.
Dylan friamente admitira ter roubado mercadorias.
Ela nunca teria imaginado que o filho de Ryan faria uma coisa dessas. Isto estava além do escopo de sua experiência e ela estava perdida, sem saber como reagir. Sentia-se abalada porque sua impressão de uma família perfeita, na qual ela havia acreditado, estava longe da realidade. Como ela poderia estar tão errada?
O filho de Ryan acabara de cometer um crime. Para piorar, não mostrava qualquer remorso, vergonha ou sinal de que compreendia a enormidade de suas ações. Ele a encarava calmamente, parecendo despreocupado com o que acabara de fazer.
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